segunda-feira, 7 de maio de 2012

"O FAIA"




O Faia foi uma banda de rock que existiu entre 1969 e 1973, no Rio de Janeiro. Claudio Araujo e Victor Larica se conheceram em 1962, no Colégio Nova Friburgo da FGV. Foram colegas por 2 anos no internato e depois descobriram que ambos moravam no "Jornalistas", no Leblon, no mesmo prédio. Lá também moravam Pedro Figueiredo e Claudio Roberto (mais tarde co-autor, com Raul Seixas, de Maluco Beleza). Com toda a moda se espalhando pela cidade, dos "conjuntos" de iêiêiê, deflagrada pela Beatlemania, Claudio, Victor e Pedro se lançaram na onda e a partir de 1965 começaram a compor músicas próprias e a aprender a tocar guitarra. A primeira música de Claudio, "O último adeus", foi parte da trilha sonora do filme "1972" de Ana Maria Bahiana e Zé Emílio Rondeau, lançado em 2007. Os três amigos passavam todas as tardes tocando e cantando, tentando copiar as frases e harmonias das guitarras que apareciam nos discos de vinyl da época. As maiores influências eram The Beatles, Stones, Dave Clark Five, Animals, Peter & Gordon, Beach Boys, Byrds, The Who e muitos outros. E também Chico Buarque, que era a paixão nacional do grupo. Nesse prédio no Leblon também moravam Horácio e Heloísa Seixas, amigos inseparáveis do grupo. Heloísa foi namorada do Victor e do Cláudio Roberto (não me lembro bem em que ordem...). Um dia Horácio nos ligou perguntando se gostaríamos de ir à casa dele. Seu primo da Bahia, que cantava numa banda de rock, estava lá hospedado na sua casa. Rauzito e seus Panteras estavam fazendo um teste para a gravadora Odeon e nossa primeira impressão foi bastante estranha. Naquela época não se viam mais caras com topete à Elvis, brilhantina, etc. E lá estava Rauzito, de casaco de couro, topete alto e cara de poucos amigos. Desde esse tempo uma amizade uniu o grupo à Raul Seixas, amizade essa que iria se desdobrar em gravações de suas músicas. Claudio e Victor gravaram algumas faixas no Lp Krig-Há Bandolo, Claudip fez a guitarra-base de "Quem não tem colírio usa óculos escuros" e Claudio Roberto foi seu parceiro em inúmeras composições). Raul foi produtor da banda nos anos 72 e 73 mas a banda se dissolveu antes da gravação do primeiro compacto. De 1965 até 1969 as mudanças se deram, principalmente, nos vários outros integrantes que se juntaram à banda e nos diversos estilos de música que passaram a pertencer ao amálgama musical que estava acontecendo entre eles. Mas em 1969 aconteceu Woodstock e o mundo do rock se abriu numa divisão sem limites. Se ainda haviam pontes que uniam a Jovem Guarda com o rock internacional, essas se partiram de vez e a JG foi relegada como uma música menor, "comercial" pra "tocar no rádio". Os Beatles acabaram e no seu lugar subiram ao palco artistas como Hendrix e seu Experience, Led Zeppelin, Townsend e seu windmill, Cream, Traffic e muitos outros. Se as músicas feitas pela banda até então ainda eram influenciadas pelas raízes mineiras e tupiniquins, de agora em diante não havia mais espaço pro romântico, pro lirismo.
Era abrir o volume e berrar o mais alto possível.


  O Faia.



Foi Victor que sugeriu o nome ao grupo. Faia é a madeira utilizada para a construção de algumas partes dos instrumentos de corda. De alguma forma ainda estávamos tentando nos ligar a alguma coisa mais musical, mais sonora e romântica que havia restado da década de 60. A palavra Grupo foi automática. Na tentativa de separação e identificação dos "conjuntos de baile" versus as bandas de rock, os segundos eram chamados de Grupos. Grupo O Peso, Grupo Vimana, Grupo O Terço, Grupo Faia. Os conjuntos estavam fazendo baile por dinheiro, nós estávamos fazendo rock, E vieram os hippies, os cabelos cresceram de vez, as roupas eram compradas numa loja em Copacabana chamada Lixo. Éramos todos vegetarianos, magrelos, usávamos sandálias compradas na feira hippie ou na feira dos nordestinos, camisetas Hering da rua da Alfândega, casacos antigos esquecidos por nosso pais e avós no fundo dos armários. MIçangas, colares, pulseiras, brincos, chapéus os mais estranhos, homens de rabo de cavalo, meninas andando em pé nas bicicletas pequenas, de topless na praia de Ipanema, pegando aquele sol que não dava câncer na pele. As calças? Eram furadas de verdade e por serem furadas, cansávamos de tentar fechar os furos com remendos americanos, que colavam de passar o ferro quente em cima. Ninguém achava bonito aquela ventilação forçada... As calças ficavam furadas por pura falta de grana, de tanto usar a mesma. De 1969 até 1973 o nome da banda passou por algumas transformações. De Grupo Faia em 1969 e 1970, quando tocaram Casa no Campo com Zé Rodrix no FIC e depois simplesmente O Faia, até 1973, uma banda de amigos de Ipanema e Leblon que haviam estudado juntos, jogado futebol e aprendido os primeiros acordes na guitarra e no violão, decidiram se profissionalisar. O primeiro passo foi aceitar o convite de Zé Rodrix e da produção do musical "Tem piranha na Lagoa" a fazer parte da peça, tocando e cantando as músicas de Rodrix. Estávamos procurando um lugar pra ensaiar e fazer aquela barulheira toda da época. Fomos até o Teatro Ipanema perguntar se poderíamos ensaiar ali. O produtor da "Piranha" estava naquele dia no teatro, bem do nosso lado, ouvindo as nossas súplicas. E por artes do destino, nos perguntou se queríamos fazer um teste pra ser a banda da peça. Isso nos daria a oportunidade de trabalhar como músicos e finalmente, ter um lugar de ensaio. Naquela época, por estranho que pareça, tínhamos enveredado pelo jazz! Andamentos 5/4, 7/8, 6/4, tudo era novidade e diversão. Claudio e Victor haviam entrado pra estudar na ProArte e no Instituto Villa Lobos. Claudio era aluno de violão clássico com o Prof. Léo Soares. E o jazz foi só um pulo. Começaram a andar numa roda mais erudita, que de alguma forma criticava o rock. Nessa época um flautista do jazz se juntou à banda. Ricardo Mattos, cujo irmão Márcio era baixista de jazz. 1970 Claudio estava na época fazendo também o Curso Miguel Couto para o vestibular de medicina. Lá encontrou num colega o bateirista dos seus sonhos: Luís Roberto (O Terço, Sá , Rodrix e Guarabira, Elis Regina) depois com o nome artístico de Luís Moreno era o bateirista perfeito para essa nova formação da banda. "Luís tocava rock, MPB, jazz, enfim traçava o que viesse". Com essa formação (Claudio Araujo, Victor Larica, Luís Roberto e Ricardo Mattos) o Grupo Faia conheceu Zé Rodrix, Nestor de Montemar, Paulo Affonso Grisolli, Vera Setta e todo o fantástico e enlouquecido elenco do musical "Tem piranha na Lagoa". "De repente estávamos numa gig profissional. fazíamos nove presentações por semana e às vezes espetáculos "fechados" para as empresas. Pela primeira vez estávamos ganhando algum dinheiro". Dessa forma, um dos maiores obstáculos podia ser removido: o do equipamento. Devido a ditadura militar, os bons instrumentos e amplificadores não podiam ser comprados aqui. "Tocávamos com guitarras e amplificadores que não suportavam os volumes necessários, as guitarras e os baixos não afinavam, não tínhamos pedais de efeito, os auto falantes "rachavam" e estouravam se usássemos mais volume. Os amplificadores viviam no conserto, a pele da bateria estava sempre furando." Com o dinheiro que a banda ganhava na peça foi possível comprar a primeira guitarra Snake, um amplificador melhor de baixo, trocar os pratos da bateria e ter cabos melhores.

  1971, Casa no Campo

 Pouco tempo depois da peça encerrar suas apresentações, Zé Rodrix, que havia composto todas as músicas da peça e se tornado nosso amigo, nos procurou com uma proposta fantástica: ele havia saído do Som Imaginário (banda que também acompanhava Milton Nascimento) e havia sido classificado para o Festival de Música de Juiz de Fora. A música? Casa no Campo, de parceria com Tavito, seu amigo dos tempos do Som Imaginário. "Era uma surpresa ver o Zé escrevendo todo o arranjo de orquestra sozinho. "Ele passava horas ao piano, revendo e corrigindo nota por nota daquele arranjo inspirado em George Martin: metais, cordas e no meio daquilo tudo ele ao piano, junto com nossa banda". "Eu cheguei em Juiz de Fora careca. Tinha acabado de passar no vestibular para medicina. Meus colegas foram à minha casa de madrugada e cortaram todo o meu longo cabelo, dando as maiores risadas..." O resto é história: Rodrix venceu o Festival de Juiz de Fora e de lá fomos direto pro Maracanãzinho. Alguns dias antes, o Grupo Faia gravou Casa no Campo e Velho Cigano com Rodrix, na Odeon. "O VU deles lá na sala de gravação era uma lâmpada que aumentava de intensidade se a massa sonora ficasse perto da saturação. Era um efeito incrível! Aquela orquestra imensa dentro do estúdio, mais a nossa banda com, Rodrix ao piano, eu pensei comigo mesmo: como é que vão mixar isso tudo em somente dois canais? O técnico mandou passarmos uma vez a música toda. OK, podem passar de novo. OK, acabou." A gravação de "Velho cigano", música de Rodrix e Luís Carlos Sá, foi no dia seguinte. "Gravamos as bases, Ricardo Mattos fez o solo de flauta, colocamos depois os vocais (Lizzie Bravo, Claudio Araujo e Luís Roberto) e finalmente Rodrix colocou a voz principal. Ele insistia com o técnico que colocasse um reverber igual ao dos cantores antigos de rock da década de 50." Tudo em dois canais... Victor Larica não participou de Casa no Campo. No seu lugar Zé trouxe Sérgio Magrão (Sá, Rodrix e Guarabira, O Terço, 14 Bis). Logo após Casa no Campo, Rodrix formou, junto com Carlos Sá e Gutemberg Guarabira, o famoso trio do rock rural. Magrão e Luís Roberto se juntaram a eles, como side musicians. O Grupo Faia estava sem saber que rumo tomar...

  1972 - O Faia

 Com Pedro Figueiredo nas letras, Victor Larica no Baixo e Claudio Araujo na guitarra, faltavam o batera e outro integrante que pudesse fazer as bases e acrescentar outros instrumentos. Ricardo Mattos se fora pra Londres a convite do irmão. "Eu me lembrei do Joca Moraes. Ele havia sido bateirista de uma banda da qual eu havia participado, de duração efêmera. A banda se chamava "Vaca Voadora" e tínhamos feito alguns shows no Clube Caiçaras, naquelas domingueiras da época. Eu ainda tinha o telefone dele. Ele topou, já tínhamos bateirista. Depois ficamos meses procurando uma pessoa que se encaixasse no perfil que precisávamos. Acabamos encontrando, numa festa de amigos em Ipanema: Ricardo Medeiros e a banda estava pronta pra voltar pra estrada". A idéia da banda, assim como era o objetivo de todas as bandas de rock o Rio, era a de ter seu próprio material. Assim sendo, Pedro escrevia letras sem parar, enquanto Claudio, Victor e Ricardo faziam as músicas. Com esse material O Faia passou alguns meses trancados na casa dos pais do Pedro, em Petrópolis. "Lá podíamos ensaiar e compor até às 3 da manhã. Não tinha outra casa por perto, podíamos fazer o barulho que quiséssemos". O primeiro show foi no Teatro Opinião, numa segunda feira. casa cheia, o espanto das pessoas, as críticas da Rolling Stone e dos jornalistas de rock na época. "Nesse período conhecemos Ana Maria Bahiana. Ela era namorada do meu primo, com quem acabou se casando pouco tempo depois. Nos tornamos amigos inseparáveis e ela começou a fazer letras pras nossas músicas. Dessa forma agora tínhamos dois letristas, ela e o Pedro. Fazíamos músicas sem parar..." Com a partida de Zé Rodrix pro rock rural, estávamos sem ajuda pra conseguir uma gravadora. Naquela época era a única forma de se conseguir penetrar no mainstream do rock nacional. Quem não tivesse uma gravadora estava fadado ao silêncio. Então nos apareceu, mais uma vez, Raul Seixas, que na época era produtor musical da CBS. Raul estava acabando de gravar junto com outros artistas o álbum Sessão da Dez e logo depois se tornaria um sucesso nacional, com Ouro de Tolo. O Faia fez um teste na CBS e foi aprovado. Foi marcada a gravação mas, pro espanto da banda, um dia raul os chamou comunicando que estava saindo da CBS e indo pra Phillips.

  1973

Seu primeiro disco foi um sucesso completo. Claudio e Victor haviam participado da elaboração e da preparação final do Krig-Há Bandolo, nos seus detalhes. "Cheguei um dia na casa do Raul. Ele me chamou e disse: escute a minha nova música. E me mostrou Ouro de Tolo. Ele havia acabado de compor seu primeiro grande sucesso e estava ali, me mostrando em primeira mão. Confesso que não me empolguei. Me pareceu na época uma mistura de Bob Dylan com Frank Sinatra. Uma letra de protesto embrulhada num papel de presente. E mais espantado eu fiquei quando ouvi, mais tarde, ele pedindo ao maestro que iria compor as bases da orquestra que ele queria uma introdução igual a do Roberto Carlos misturada com Something Stupid, do Sinatra e filha. Ele mesmo me disse que havia ficado impressionado quando a Phillips escolheu essa música como a música "de trabalho". E deu no que deu...". O teste do Faia na Phillips foi um sucesso, o Menescal concordou com a contratação da banda e as datas foram marcadas pra gravação do Compacto. "Nós estávamos fazendo um show atrás do outro, Até no Manicômio Judiciário da Frei Caneca nós tocamos, por sugestão do Marinaldo, empresário do Módulo Mil. Ele mesmo não apareceu por lá. Segundo o Pedro, por ter medo dos médicos não deixarem mais ele sair do hospício". O Marinaldo também estava na produção do nosso Woodstock, em Caxias. Chamado de Dia da Criasom, o festival reuniu milhares de pessoas e todas as bandas roqueiras da época. Foi uma experiência fantástica ver aquela multidão levantar e começar a gritar quando o Terço atacou. Uma energia incrível, uma emoção tomou conta de todos nós. Na Rolling Stone da semana seguinte, Ezequiel Neves escreveu sobre o Faia, citando os versos de uma das músicas: "comi feijão com ketchup até vomitar em você!" "Mas o esforço imenso que estávamos fazendo remando contra o AI-5, a pressão policial, as notícias sobre torturas, a perseguição cultural aos "cabeludos", a pressão das famílias que reprovavam tudo o que fazíamos era demais. Uma vez, em Ipanema, estávamos caminhando pela rua carregando os instrumentos e de repente uma viatura da polícia apareceu. Os guardas saltaram do carro nos apontando as armas, gritando e perguntando o que estávamos carregando. Respondi que eram instrumentos musicais e um deles, me apontando o fuzil, me intimou a mostrar minha querida Gibson SG Standard, que eu recém adquirira. A cada pouca semanas recebíamos um telefonema do DOPS. Éramos intimados a comparecer ao Palácio do Catete para depor e explicar o conteúdo das nossas letras. Das vinte e poucas letras que fomos obrigados a mandar pra censura, todas foram proibidas de serem executadas. Após várias modificações, mais quatro foram proibidas, inclusive Montes Urais, em parceria com Zé Rodrix. Fomos ameaçados várias vezes de ser presos pelo DOPS, que nos deixavam horas esperando lá dentro e depois nos mandavam embora, sem explicações. Sempre mandávamos ingressos para a polícia, era uma obrigação e sempre alguém ocupava aqueles lugares. Por estranho que pareça, geralmente eram mães com suas filhas! Fizemos um show no Teatro Cachimbo da Paz num esforço imenso. Todos os shows eram assim: pintávamos outdoors, distribuíamos panfletos, íamos nas rádios, jornais, nos colégios. Tínhamos que divulgar, produzir, carregar nosso equipamento, tocar, cantar e receber praticamente nada. Na saída desse show estavam chegando os amigos da Equipe Mercado e o Stu estava literalmente carregando um piano!" Dias depois um dos membros da banda teve uma hemoptise. Era o preço que o grupo estava pagando por todo aquele esforço descomunal. O diagnóstico médico os condenou a 6 meses de recesso. "Foi nosso fim".